segunda-feira, 20 de junho de 2011


"Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: a distância do solo até um lampião e os pés pendentes de um usurpador enforcado; o fio esticado do lampião à balaustrada em frente e os festões que empavesavam o percurso do cortejo nupcial da rainha; a altura daquela balaustrada e o salto do adúltero que foge de madrugada; a inclinação de um canal que escoa a água das chuvas e o passo majestoso de um gato que se introduz numa janela; a linha de tiro da canhoneira que surge inesperadamente atrás do cabo e a bomba que destrói o canal; os rasgos nas redes de pesca e os três velhos remendando as redes que, sentados no molhe, contam pela milésima vez a história da canhoneira do usurpador, que dizem ser o filho ilegítimo da rainha, abandonado de cueiro ali sobre o molhe.
A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata." Ítalo Calvino

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A cidade que vemos através de nós ou A cidade que nos perpassa

"Eu sou o único espectador desta rua; / se a deixasse de ver, ela morreria". Borges
Esse fragmento de Borges, citado em Das Ruas de Paris aos Arrabaldes de Buenos Aires - Poesia, Cidade e Baudelaire e Borges, artigo de Franklin Alves ( Poeta e ensaísta carioca, autor do livro de poemas Céu Vermelho, inédito), me fez pensar: que cidade cada um de nós vê
Para mim a cidade são os sons, os ruídos, as fotografias amarelecidas que nos fazem imaginar fora do enquadramento. Também as lembranças dos lugares que trilhamos (dos matinés, o pipoqueiro, a sapataria que ia fazer compras com meu pai, a confeitaria e seus quindins, etc. etc.), o silêncio dos domingos e do amanhecer, as histórias que nos contam, os detalhes das fachadas, as ruínas, o calçamento, os ladrilhos, o gasto das passadas (Não cheguei a tempo de fotografar um cantinho de calçada na Praça Tamandaré que gasto, trazia a marca de muitos passantes... ).
Que cidade vemos?  É importante pensar sobre, pois nossas respostas apontam para a questão imprescindível - que cidade queremos. 
Se a deixasse de ver, ela morreria... Nosso pertencimento à cidade se dá quando nossas memórias se tramam pelos seus diferentes lugares. Quando nos levam a relembrar e nos fazem imaginar momentos vividos. Quando como passantes nos enxergamos em seus detalhes, em seus traçados. Desprendida de lembranças não mais a reconheceria, para mim morreria.

Reflexões sobre a cidade em que nasci.
Célia Pereira